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Banimento do amianto no Brasil e o enfrentamento à pandemia

Erica Coutinho, Milena Pinheiro e Camila Gomes

Nesse momento, torna-se ainda mais relevante reafirmar esses importantes paradigmas: que os estados devem atuar de forma protetiva em matéria de saúde e que o aparente conflito entre economia e saúde não se sustenta em situações em que há perigos concretos à vida das pessoas.

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O debate sobre os impactos e responsabilidades decorrentes da exposição de trabalhadores ao amianto - fibra mineral natural extraída de rochas e usada principalmente para fabricar telhas e caixas d'água - mobiliza categorias similares àquelas que temos visto nestes tempos de pandemia. A dicotomia perversa entre empregabilidade e vida, entre economia e saúde que tomou conta de parte das análises sobre a Covid-19 permeia a discussão acerca do banimento do amianto no Brasil já há bastante tempo. Também debates sobre pacto federativo, motivados por indagações referentes à possibilidade de os estados legislarem sobre proibição do produto em seus territórios, assemelham-se ao conflito que hoje se observa entre a União e os estados no que tange à quarentena e às regras que impõem o isolamento social.

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3460, 3470, 3356 e 3357 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 109, entendeu que a Lei Federal 9.055/95, que previa a possibilidade de uso supostamente seguro do amianto, passou por um processo de inconstitucionalização, verificado a partir de consenso científico quanto ao potencial cancerígeno da substância, em todos os seus formatos. Em consequência, as leis estaduais e municipal que proibiam a produção e venda do mineral foram declaradas constitucionais em julgamento no qual se debateram exaustivamente as características do paradigmático federalismo cooperativo.

As normas federais, segundo o STF, constituem-se piso protetivo - e não teto - , a partir do qual os estados, de acordo com suas próprias realidades, podem ampliar os limites fixados pela União. Tal entendimento foi reafirmado, em relação à Covid-19, em recente decisão proferida na ADPF 672, quando se assentou que “Em momentos de acentuada crise, o fortalecimento da união e a ampliação de cooperação entre os três poderes, no âmbito de todos os entes federativos, são instrumentos essenciais e imprescindíveis a serem utilizados pelas diversas lideranças em defesa do interesse público”. O que a decisão assegura, com isso, é que as regras de repartição de competência entre os entes federados devem operar no sentido de reforço na proteção à vida e à saúde dos cidadãos.

A necessidade de preservação da saúde, quando do julgamento do banimento, foi reafirmada como imperativo constitucional, motivo pelo qual o argumento de uso supostamente seguro do amianto como medida de proteção à empregabilidade acabou por ser rechaçado. O que se pode extrair do acertado posicionamento do STF é que o conflito aparente entre os valores jurídico-constitucionais da proteção dos direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente hígido, de um lado, e a empregabilidade, de outro, aponta para a prevalência daqueles sobre este último, na medida em que as atividades econômicas desempenhadas pela cadeia produtiva do amianto são reconhecidamente lesivas a todos que possam vir a ter contato com a fibra, trabalhem ou não com isso. A exposição ao amianto, no trabalho ou fora dele, conforme já reconhecido pelo STF, é causa notória de uma série de doenças de prognóstico letal, tais como a asbestose, o câncer de pulmão e o mesotelioma.

Logo após o julgamento das ADIs, contudo, o lobby do amianto começou a buscar meios de possibilitar a continuidade da extração do minério em Minaçu-GO, onde se localiza a maior mina do mineral em atividade no Brasil, de propriedade da empresa SAMA, pertencente ao Grupo Eternit. Após a publicação do acórdão, buscou-se a modulação dos efeitos da decisão,  mediante embargos de declaração pautados para julgamento no Plenário Virtual do STF entre os dias 17 e 24 de abril próximos. 

Paralelamente, menos de dois anos após a decisão do banimento e em clara afronta à decisão e à autoridade do Supremo Tribunal Federal, o governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado, sancionou lei que permite extração, beneficiamento e exportação de amianto. A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a referida lei (ADI nº 6200), que também seria julgada na mesma sessão do Plenário Virtual, mas foi retirada ontem de pauta pelo relator, ministro Alexandre de Moraes.

As posturas antagônicas adotadas pelo governador Ronaldo Caiado em tempos de pandemia e no debate do banimento do amianto foram objeto de questionamento no programa de televisão Roda Viva no começo deste mês. Indagado também - já que adotou medidas conservadoras de isolamento social para conter os adoecimentos por Covid-19 - se não seria o momento de seu lado médico falar mais alto para salvar vidas no caso do amianto, Caiado respondeu que não haveria com o que se preocupar já que nenhum caso de adoecimento teria sido notificado em Minaçu.

O contraditório negacionismo do governador quanto aos adoecimentos causados pelo amianto se parece muito com o obscurantismo daqueles para quem a pandemia não passa de um “leve resfriado” ou de uma “gripezinha”. As doenças causadas pelo amianto causam significativa diminuição da capacidade vital dos pulmões, deixando o organismo vulnerável, ou o enrijecimento do tecido pulmonar, por exemplo, o que coloca as vítimas no grupo de alto risco.  

Especificamente sobre adoecimentos em Minaçu, o antropólogo Arthur Pires Amaral, em tese intitulada "Com o peito cheio de pó: uma etnografia sobre a negação do adoecimento de trabalhadores do amianto na cidade de Minaçu", revela o horizonte de relações paternalistas havidas entre trabalhadores e a SAMA que subsidia o silenciamento dos adoecimentos. É nesse cenário de dependência dos trabalhadores e do próprio município em relação a uma grande corporação em que são oferecidos aos trabalhadores acordos extrajudiciais mediante os quais a empresa se obriga a pagar pífio valor de indenização em troca do direito de ação dos trabalhadores. 

A negação dos adoecimentos faz parte da estratégica da indústria do fibrocimento. Não à toa existe verdadeiro silêncio epidemiológico das doenças relacionadas ao amianto derivado da subnotificação de casos, da dificuldade de se mapear os expostos e da ausência de monitoramento de saúde de população submetida aos riscos. A subnotificação, pelo visto, é ferramenta frequente de preservação de interesses empresariais imediatos, como também tem se verificado no caso da Covid-19. 

Todas essas artimanhas discursivas já foram enfrentadas oportunamente pelo STF, que, em casos como o das ADIs 3460, 3470, 3356 e 3357 e da ADPF 109, tem afirmado que a saúde dos trabalhadores e da sociedade em geral importa e deve prevalecer sobre outros valores jurídico-constitucionais. Nesse momento, torna-se ainda mais relevante reafirmar esses importantes paradigmas: que os estados devem atuar de forma protetiva em matéria de saúde e que o aparente conflito entre economia e saúde não se sustenta em situações em que há perigos concretos à vida das pessoas. 

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*Erica Coutinho é mestre em direito e políticas públicas, sócia em Mauro Menezes & Advogados.

*Milena Pinheiro é mestre em direito, sócia em Mauro Menezes & Advogados.

*Camila Gomes é mestre em Direito, sócia em Mauro Menezes & Advogados e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares.

 

 

 

Fonte: Migalhas.com.br

Eternit lucra R$ 6,7 milhões no final de 2019 e avança em reviravolta sem amianto

E O PAGAMENTO DAS INDENIZAÇÕES PARA AS VÍTIMAS ???? E O PAGAMENTO DAS INDENIZAÇÕES PARA AS VÍTIMAS ???? 
Continuam suspensas pela recuperação judicial......QUE PAÍS É ESTE?

 

Eternit (ETER3) apresentou um lucro líquido de R$ 6,7 milhões no quarto trimestre de 2019, revertendo um prejuízo de R$ 4,3 milhões visto um ano antes, mostra um comunicado enviado ao mercado nesta quarta-feira (25).

O prejuízo em 2019 foi de R$ 12,6 milhões frente a um resultado negativo de R$ 149,4 milhões em 2018.

As vendas de telhas de fibrocimento apresentaram crescimento de 18% na passagem trimestral e 24% na comparação anual.

“A Eternit mantém o foco na otimização do seu processo de fabricação de telhas de fibrocimento, na obtenção de margens que assegurem a sustentabilidade do negócio”, explica a empresa, que está em recuperação judicial.

 

A margem líquida foi de -41% no final de 2018 para 6% entre outubro e dezembro do ano passado.

O Ebitda, medida de geração operacional de caixa, registrou R$ 34,4 milhões no trimestre, impactado por efeitos positivos relacionados à reversão de impairment e de provisões para contingências trabalhistas, fiscais e cíveis.

A margem Ebitda passou de -26% para 28% no trimestre.

 

No ano, o Ebitda ajustado, excluindo eventos não recorrentes, totalizou um déficit de R$ 9,9 milhões, frente ao valor negativo de R$ 35,6 milhões registrado em 2018.

“Importante ressaltar que o Ebitda do segundo semestre acumulou um superávit de R$ 913 mil”, diz a empresa.

Veja o resultado:

Perdemos Esmeraldo Teixeira, o “Nego”, um dos maiores lutadores pelo banimento do amianto

Conheça a história da AvicafeConheça a história da Avicafe

Uma conversa em primeira pessoa com o presidente Esmeraldo dos SantosTeixeira, o “Nego”.
Numa sexta-feira a autora deste livro entrou em contato com EsmeraldoTeixeira. Conhecido como “Nego”, ele preside a Associação das VítimasContaminadas pelo Amianto e Familiares Expostos (Avicafe). À época daentrevista, Nego veio da Bahia passar uma temporada em São

Paulo, parauma cirurgia complexa no Instituto do Coração (InCor), não disponívelem Bom Jesus da Serra, onde mora.
A ideia era marcar uma entrevista para a segunda-feira mais próxima, mas ele achou melhor adiar um pouco mais. “Assim acho que posso falar do amianto sem me emocionar tanto”. Há poucos dias ele tinha saído do hospital.
Era a primeira entrevista que faria para este livro. Foi ali que percebi quenão seria fácil absorver e contar os casos da devastação dessas pessoas que tiveram suas vidas e de suas famílias arrasadas pelo amianto.
Esmeraldo me recebeu em um apartamento da região central da cidade.Voz fina, fraca, mas ainda assim espelhando desejo de lutar - porele, por outras pessoas. No sofá da sala estava Heitor, seu filho de poucosmeses. Não pude deixar de engolir a seco pensando em até quandoa doença vai permitir que pai e filho fiquem juntos. Também percebique havia ali na sala, tomando bom espaço, pendurado na parede, umalousa com sua agenda de rotinas médicas.
Esmeraldo tem a pele morena, baixa estatura, cabelos bem pretos na alturados ombros. Como se fosse um índio, como lhe chamam, só que um índio do sertão do semiárido baiano. Contou sobre como a história de sua família se entrelaça num abraço de morte com a da indústria de amianto Sama, que chegou a sua cidade Bom Jesus da Serra, Bahia, na década de 30 e ficou até 1967, deixando para trás nuvens de pó mortal branco, amianto, e rastros de sangue.

A partir de 1939 a Sama passou a produzir amianto em escala industrial. Israel Teixeira, pai de Esmeraldo, foi o primeiro da família a trabalhar na empresa. Ficou até 1967, quando a Sama viu que explorar amianto na mina de Cana Brava, em Goiás, era muito mais rentável, abandonando na cidade rejeitos de amianto por todos os lados, uma leva de trabalhadores e da população doentes, suas edificações e estradas vicinais contaminadas por amianto; um passivo até hoje não mensurado e que tem acabado com a vida de muitos.
Garimpo da maldição

A primeira vez que Esmeraldo teve contato com o amianto foi quando recebeu um martelinho de geólogo da Sama. Nem desconfiava que aquele era um brinquedo de garimpar maldição. Ele tinha sete anos. Quebrava a pedra, extraía dela a fibra de amianto e botava numa capanga, como é chamada um tipo de bolsa naquela região, que era pesada ao término do trabalho. Após colhido, para os adultos, o amianto se transformava em algum dinheiro. Para as crianças, como ele, se transformava em biribinhas, daquelas que se estalam em festa junina, ou em doces.

Nem todos que se contaminaram em Bom Jesus da Serra trabalharam diretamente com a extração da fibra. Para chegar a fazenda São Félix do Amianto, até então pertencente à Sama, era necessário pegar uma estrada de 24 quilômetros, que permanece pavimentada até hoje por rejeitos de amianto em quase toda sua extensão. Uma das primeiras lutas da Avicafe foi pela retirada do mineral ao longo do caminho.

Esmeraldo conta que sabe de três casos de pessoas que se contaminaram assim, sem nem trabalhar para a Sama. Ele lembra que somente em passar pela estrada as roupas e pele já ficavam encobertas. “Chegávamos cheios de pó [de amianto], parecendo palhaços”.
Em 1987, duas décadas depois da saída da Sama de Bom Jesus da Serra, Israel, pai de Esmeraldo, começou a sentir extrema e persistente falta de ar. Estava doente e não sabia o que era. Tossiu. Tossiu até morrer.Apenas nos anos 2000 é que Esmeraldo ficou sabendo o que matou seu pai. Em seguida morreu sua mãe, “de causa desconhecida”, e umprimo seu, que trabalhava na extração de amianto na mina de CanaBrava, por asbestose.

“O amianto foi a miséria de nossa família. Somos nove irmãos. Cincosão contaminados e quatro não fizeram exames ainda”, diz Esmeraldo.Esmeraldo conta que os advogados locais não se interessaram em ajuizarnenhuma ação contra a Sama. Foi quando apareceu Dr. Júlio Fortes, vindode Goiás, o único que se apresentou disposto e que já havia ganhado trêsprocessos de contaminados contra a mineradora do amianto.

Para início de conversa, o advogado perguntou a Esmeraldo se mil caçambas de terra cobririam os resíduos de amianto deixados para trás pela Sama, que foi embora para Goiás. “Nem um milhão de caçambas cobririam”, foi a resposta que ouviu, indicando a dimensão do problema.

A ação foi movida e continua até hoje em um fórum local. Para viabilizá-la, Esmeraldo contou com o apoio de Zilton Rocha, à época deputadoestadual, presidente da Comissão de Meio Ambiente, e de seu primo, oprofessor Jânio Rocha. Com a reunião de forças, realizaram audiências públicas que chegaram a contar com quase 800 pessoas, segundo Esmeraldo.

A Avicafe surgiu no ano de 2012. Além de ter viabilizado discussões maisamplas sobre o amianto e seus perigos, com as parcerias firmadas pela associação conseguiu o envolvimento da Secretaria de Saúde de Bom Jesus da Serra, que passou a apoiar os expostos ao amianto para a realização de exames.

Junto da Associação Baiana dos Expostos ao Amianto (Abea), a associaçãocontra o amianto, e a favor de justiça para os contaminados, formamimportante e representativa frente em defesa pelo banimento do amiantoa nível global articulando-se com os outros movimentos sociais locais,nacionais e internacionais

Trecho retirado do livro "Eternidade - A Construção Social do Banimento do Amianto no Brasil", páginas 59 a 51.

O livro em PDF: https://drive.google.com/file/d/1dgHeCg6ktFlpqQ1_4OhPnLPNpm1GnOW8/view

 

Fotos: https://photos.app.goo.gl/b6oXedWHYd1dgR347

Encontro trata da luta antiamianto, exemplo de mobilização em defesa da saúde do trabalhador

om mais de 30 anos de atuação nacional e internacional na luta antiamianto, a engenheira civil e de segurança do trabalho Fernanda Giannasi fará no dia 11 de março, às 14h, a conferência Desafios Atuais para os Movimentos Sociais em Defesa da Saúde dos Trabalhadores: O Caso da Luta Antiamianto.

Fernanda irá analisar e debater as razões de sucesso e os principais obstáculos dos movimentos sociais que defendem a saúde e o meio ambiente tendo como referência a mobilização contra o amianto.

Organizado pelo Grupo de Estudo Efeitos das Novas Formas de Trabalho na Vida dos Trabalhadores, o evento é gratuito e aberto ao público, mas exige inscrição prévia online. Para assistir à transmissão ao vivo pela internet não é preciso se inscrever.

De acordo com o coordenador do grupo e moderador do evento, René Mendes, "a luta da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) até o banimento da produção e comercialização do produto decretado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como os recentes retrocessos e artimanhas para burlar o banimento, trazem lições preciosas para nossa sociedade e para os movimentos sociais".

Fernanda foi auditora fiscal do trabalho por 30 anos e fundadora da Abrea. Ela coordena a Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto na América latina e é vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Abrastt). Em 2017, foi agraciada na Coréia do Sul com o Prêmio Rachel Lee Jung-Lim, concedido anualmente por várias entidades asiáticas a uma personalidade empenhada no banimento mundial do amianto.

Liberação do amianto em Goiás: "a 'Lei Caiado' é um acinte"

Por Gabriel Brito, no Correio da Cidadania

Com­pro­vados seus efeitos ma­lignos na saúde hu­mana, o ami­anto está ba­nido em pra­ti­ca­mente todos os grandes mer­cados do mundo, após mais de um sé­culo de ex­plo­ração, em es­pe­cial no ramo dos ma­te­riais de cons­trução. Ba­nida do Brasil desde 2017, sua ex­plo­ração foi li­be­rada pelo go­verno goiano em se­tembro de 2019 e, em fe­ve­reiro, a Eternit voltou a pro­cessar a subs­tância. Sobre a questão, em meio ao forte de­sem­prego e re­tração econô­mica, o Cor­reio en­tre­vistou Fer­nanda Gi­an­nasi, au­di­tora do tra­balho apo­sen­tada e fun­da­dora da As­so­ci­ação Bra­si­leira dos Ex­postos ao Ami­anto.

Sobre a de­fesa da volta da ex­plo­ração do mi­neral pelo re­pre­sen­tante do sin­di­cato dos tra­ba­lha­dores da ca­te­goria, Fer­nanda Gi­a­nassi afirma: "en­ten­demos o con­texto, mas não po­demos abrir mão da pro­teção à saúde das pes­soas, porque estão mor­rendo mi­lhares de pes­soas pelo mundo em vir­tude da ex­po­sição ao ami­anto. Não po­demos fingir que nada está acon­te­cendo. A dis­cussão que de­veria ser le­vada pelos de­fen­sores da ati­vi­dade de­veria ser de co­brar in­cen­tivos para que a re­gião con­tinue prós­pera, com ati­vi­dade econô­mica. Con­ver­samos muito com eles, já de­viam ter feito as coisas há muito tempo".

Fun­da­dora da as­so­ci­ação que con­grega ví­timas da subs­tância mi­neral, cujo po­ten­cial can­ce­rí­geno já foi com­pro­vado, a ex-au­di­tora do tra­balho também ex­plica o con­texto in­ter­na­ci­onal de sua ex­plo­ração e de­fende que o Brasil siga o exemplo de países que já o ba­niram, uma vez que os ga­nhos com a ati­vi­dade não podem se so­brepor aos evi­dentes pre­juízos à saúde.

"Ami­anto e de­mo­cracia não com­binam, porque usar um mi­neral can­ce­rí­geno e en­ganar a po­pu­lação são si­nais de que o Es­tado de Di­reito e o pró­prio di­reito à in­for­mação ainda são in­su­fi­ci­entes. É isso que a Lei Caiado tenta in­fringir. Porque ela per­mi­tirá o be­ne­fi­ci­a­mento do mi­nério em Goiás, mas por en­quanto ele não pode sair do es­tado. Está ba­nido no país. O pro­duto não pode atra­vessar es­tradas fe­de­rais e es­ta­duais onde a subs­tância está ba­nida, menos ainda chegar aos portos. A lei goiana é in­cons­ti­tu­ci­onal, mas pode operar na brecha".

A en­tre­vista com­pleta pode ser lida a se­guir.


Cor­reio da Ci­da­dania: Como você re­cebeu a no­tícia da li­be­ração da ex­plo­ração de ami­anto cri­so­tila no es­tado de Goiás em favor da em­presa Eternit?

Fer­nanda Gi­an­nasi: É um acinte, porque a lei es­ta­dual - a "Lei Caiado" - afronta a de­cisão do Su­premo, que é so­be­rana e se re­fere à cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade. Esta lei nasce in­cons­ti­tu­ci­onal, mas pre­cisa ser de­cla­rada como tal.

O STF tem uma Ação Di­reita de In­cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade desde ou­tubro pas­sado, que tem sido re­ti­rada da pauta, cuja re­la­toria está com o mi­nistro Ale­xandre de Mo­raes.

Cor­reio da Ci­da­dania: Quais os riscos que essa subs­tância traz à saúde e por que sua ex­plo­ração de­veria se­guir proi­bida? Qual o his­tó­rico da ex­plo­ração de ami­anto no Brasil?

Fer­nanda Gi­an­nasi: O ami­anto é um re­co­nhe­cido can­ce­rí­geno para os seres hu­manos. O co­nhe­ci­mento a seu res­peito já tem mais de um sé­culo, em 1907 já havia es­tudos mos­trando a no­ci­vi­dade dessa fibra re­ti­rada do mi­neral. É re­co­nhe­cida como tal pela Agência In­ter­na­ci­onal de Pes­quisa em Câncer da Or­ga­ni­zação Mun­dial da Saúde (IARC-OMS). Os riscos e do­enças atri­buídos ao ami­anto são vá­rios, como a as­bes­tose, não ma­ligna, mas que leva à morte por falta de ar, e as ne­o­plá­sicas, ou can­ce­rí­genas, que atingem vá­rios ór­gãos. Um dos tipos de câncer mais agres­sivos é o me­so­te­lioma, in­cu­rável.

No Brasil, já ti­vemos vá­rias pe­quenas mi­ne­ra­doras ao longo do sé­culo 20. Des­co­briu-se que essa fibra junto ao ci­mento dava uma liga muito re­sis­tente, boa para ma­te­riais de cons­trução. Fez-se um ma­pe­a­mento ge­o­ló­gico e des­co­briram ja­zidas, com pe­quenos veios de ami­anto. Foi ex­plo­rado em Minas, Ala­goas, sempre em minas pe­quenas. Até que na dé­cada de 30 ini­ciou-se na Bahia a ex­plo­ração em es­cala co­mer­cial pela em­presa fran­cesa Saint Goban-Bra­silit, ex­plo­ração que durou até 1967, quando já se sabia de uma grande ja­zida em Goiás.

Então, a em­presa se as­so­ciou à Eternit e mudou para o es­tado do centro-oeste, a fim de pro­duzir te­lhas, caixas, tu­bu­la­ções. Assim nasceu a mina de Ca­na­brava, na ci­dade de Mi­naçu (grande mina), na di­visa com To­can­tins, à beira do rio do mesmo nome. Du­rante a di­ta­dura, o uso da subs­tância ga­nhou muito força e foi bas­tante usada na cons­trução de con­juntos ha­bi­ta­ci­o­nais para a po­pu­lação de baixa renda.

O Brasil, que antes im­por­tava, ga­nhou au­tos­su­fi­ci­ência e en­trou no clube dos mai­ores pro­du­tores, che­gando a ser o ter­ceiro maior pro­dutor, atrás de Rússia e China. O Ca­nadá, que fora o maior ex­por­tador, já en­trara em de­clínio e suas minas che­garam à fa­lência. Até 2017, o Brasil foi o ter­ceiro maior pro­dutor e ex­por­tador, e o quarto maior con­su­midor de ami­anto.

Cor­reio da Ci­da­dania: O pre­si­dente do Sin­di­cato dos Tra­ba­lha­dores da In­dús­tria Ex­tra­tivas de Goiás, Adelman Araújo Filho, se co­locou fa­vo­rável à de­cisão e disse que o risco é o mesmo de ou­tras ati­vi­dades mi­ne­rá­rias, além de acusar uma su­posta guerra econô­mica por trás da proi­bição. O que você pensa desta de­cla­ração?

Fer­nanda Gi­an­nasi: O Adelman, ou Chiru, faz parte de um grupo de sin­di­ca­listas que se cons­ti­tuíram num grupo na­ci­onal de de­fesa da pro­dução do ami­anto, fi­nan­ciado du­rante anos pela pró­pria in­dús­tria. São sin­di­ca­listas pe­legos, que em vez de de­fen­derem os in­te­resses e a saúde dos tra­ba­lha­dores que re­pre­sentam, de­fendem a pró­pria in­dús­tria, con­forme acordo for­ma­li­zado entre as partes. Porém, o Tri­bunal da 15ª Re­gião de­clarou o acordo nulo, porque previa o fi­nan­ci­a­mento de sin­di­catos que de­fen­diam o ami­anto.

A pos­tura dele não é ilegal, mas é imoral, porque es­conde os casos de do­enças em Mi­naçu, como se pode ver na ma­téria do In­ter­cept Brasil, a mos­trar que há uma equipe mé­dica es­con­dendo as do­enças, para que nada seja con­tes­tado junto à jus­tiça e ao INSS.

Seu dis­curso de de­fesa do em­prego é le­gí­timo, na me­dida em que de­fende um grupo de pes­soas que não quer deixar aquela ati­vi­dade, ao passo que a ci­dade é quase um mo­delo so­vié­tico de pro­dução, uma mo­no­town, que vive em torno da ex­plo­ração deste mi­nério.

Existe de fato um temor de que a ci­dade se torne fan­tasma. Mas o de­bate não é novo nem no Brasil nem no mundo. E não houve ati­tude da classe po­lí­tica, tanto em nível local como na­ci­onal, de busca de al­ter­na­tivas. Só agora correm atrás do as­sunto, quando se ins­tala uma em­presa que vai ex­plorar as terras-raras na re­gião. O grupo que ex­plora o ami­anto já não é uma al­ter­na­tiva, mas fi­caram as "viúvas de Mi­naçu", que se acos­tu­maram a ter co­mo­di­dade por meio da em­presa: são os tra­ba­lha­dores que moram na vila da em­presa, não pagam energia, tem o clube, o hos­pital... Tudo ga­ran­tido pela em­presa.

Em todos os mo­mentos de ameaça, a em­presa dis­tri­buiu agrados. A em­presa, por­tanto, é uma mãe. Assim, os tra­ba­lha­dores se acos­tu­maram a ter tudo pro­vido por uma em­presa ame­a­çada de ex­tinção, que por sua vez fazia de tudo para obter um pacto de si­lêncio com os do­entes, por meio de mé­todos de co­op­tação.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como tra­ba­lhar com a questão do in­te­resse econô­mico mesmo da­queles que es­ta­riam mais ex­postos aos riscos, no mo­mento em que o país pa­dece de uma crise sem fim vi­sível e o de­sem­prego é al­tís­simo?

Fer­nanda Gi­an­nasi: Com­pre­ende-se. É le­gí­timo, mas há a ocul­tação de riscos e do­enças que já estão acon­te­cendo. A em­presa paga pelo si­lêncio por meio de acordos ex­tra­ju­di­ciais. Ocorre que mais de 65 países já ba­niram o ami­anto, que também está con­de­nado no mer­cado global, com ex­ceção de al­gumas re­giões, em es­pe­cial na Ásia.

En­ten­demos o con­texto, mas não po­demos abrir mão da pro­teção à saúde das pes­soas, porque estão mor­rendo mi­lhares de pes­soas pelo mundo em vir­tude da ex­po­sição ao ami­anto. Não po­demos fingir que nada está acon­te­cendo. A dis­cussão que de­veria ser le­vada pelos de­fen­sores da ati­vi­dade de­veria ser de co­brar in­cen­tivos para que a re­gião con­tinue prós­pera, com ati­vi­dade econô­mica. Con­ver­samos muito com eles, já de­viam ter feito as coisas há muito tempo.

Para se ter ideia da re­lação pro­míscua e co­ni­vente do sin­di­cato com a in­dús­tria, esta fi­nancia o Ins­ti­tuto Bra­si­leiro do Cri­so­tila, que fun­ciona em Goi­ânia. Quem fica lá são os di­ri­gentes do sin­di­cato. É um ins­ti­tuto de pro­pa­ganda da in­dús­tria do qual o sin­di­cato faz parte, vive lá dentro. Quando falam da guerra co­mer­cial, é como se fossem ví­timas, e não pa­tro­ci­na­dores desta guerra, que para nós é o que menos in­te­ressa, não é do nosso es­copo.

No Mi­nis­tério do Tra­balho ajudei a criar as­so­ci­a­ções de ví­timas do ami­anto. Já temos 10 grupos em sete es­tados. É um risco dis­se­mi­nado, não é algo lo­ca­li­zado aqui ou ali. Toda se­mana temos mortes pela ex­po­sição ao ami­anto.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como está o con­texto in­ter­na­ci­onal da ex­plo­ração do ami­anto?

Fer­nanda Gi­an­nasi: O lobby do ami­anto se con­centra na Rússia e no Ca­za­quistão. A China também ex­plora, mas im­porta muito. Há um pe­queno mo­vi­mento, mais lo­ca­li­zado em Hong Kong, pela proi­bição do ami­anto. Mais de 65 países, a mai­oria in­dus­tri­a­li­zada, já o proi­biram.

A grande ex­ceção são os EUA, graças a Trump, grande aliado da Rússia, a ponto de o ami­anto russo sair do país com a cara do Trump es­tam­pada nas caixas, com men­sagem de agra­de­ci­mento em russo, uma vez que o pre­si­dente norte-ame­ri­cano afirmou que quem quer acabar com ami­anto no mundo é a máfia (risos). É o único país in­dus­tri­a­li­zado e de­mo­crá­tico que ainda per­mite seu uso. O res­tante está lo­ca­li­zado na Ásia. Índia, In­do­nésia e Tai­lândia são os grandes con­su­mi­dores, so­ci­e­dades que ou não são tão de­mo­crá­ticas ou não têm mo­vi­mento so­cial de força.

Ami­anto e de­mo­cracia não com­binam, porque usar um mi­neral can­ce­rí­geno e en­ganar a po­pu­lação são si­nais de que o Es­tado de Di­reito e o pró­prio di­reito à in­for­mação ainda são in­su­fi­ci­entes. O Japão e a Co­reia do Sul já ba­niram a subs­tância e tentam li­derar uma cor­rente asiá­tica neste sen­tido. Re­pre­sen­tantes de Japão, Índia e In­do­nésia vi­eram ao Brasil e pe­diram para o STF e de­mais po­deres que se im­peça a ex­por­tação de ami­anto, uma vez que suas so­ci­e­dades ainda ca­recem de in­for­ma­ções su­fi­ci­entes.

É isso que a Lei Caiado tenta in­fringir. Porque ela per­mi­tirá o be­ne­fi­ci­a­mento do mi­nério em Goiás, mas por en­quanto ele não pode sair do es­tado. Está ba­nido no país. O pro­duto não pode atra­vessar es­tradas fe­de­rais e es­ta­duais onde a subs­tância está ba­nida, menos ainda chegar aos portos. A lei goiana é in­cons­ti­tu­ci­onal, mas pode operar na brecha.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como você pode si­tuar o pú­blico a res­peito do con­texto da ex­plo­ração econô­mica deste mi­neral pelo mundo?

Fer­nanda Gi­an­nasi: Tem muita de­sin­for­mação. A Eternit, que já deixou de ser mul­ti­na­ci­onal, tra­ba­lhou muito pe­sado na pro­pa­ganda. Chegou a criar cam­pa­nhas que nos obri­garam a ir ao Conar (Con­selho Na­ci­onal de Au­tor­re­gu­lação da Pu­bli­ci­dade), pois iam contra todo o co­nhe­ci­mento acu­mu­lado sobre a subs­tância. Pro­pa­gandas, feitas por grandes agên­cias, como a do Marcos Va­lério in­clu­sive, foram ba­se­adas em falsas in­for­ma­ções.

A Bra­silit-Eternit tem mais de 50% do mer­cado de co­ber­turas do país, prin­ci­pal­mente na po­pu­lação de baixa renda, que acre­dita na du­ra­bi­li­dade do pro­duto - o que tem a ver com o pró­prio nome da em­presa, que faz re­fe­rência à pa­lavra eter­ni­dade em latim.

A contra-in­for­mação sempre foi forte e andou na con­tramão da pro­dução ci­en­tí­fica. A cada dado novo pro­du­zido a in­dús­tria vinha com seus ins­ti­tutos, não só no Brasil, fazer cam­panha de contra-in­for­mação. As in­for­ma­ções cor­retas de­mo­raram muito pra chegar à po­pu­lação.

Como os sin­di­catos eram pró-in­dús­tria, nunca fa­ziam lutas ju­di­ciais em busca de re­pa­ração a seus re­pre­sen­tados. Mas na me­dida em que os do­entes apa­re­ciam a tese do uso se­guro perdia força.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que você pode contar da ABREA e seu his­tó­rico de atu­a­ções? Existem ví­timas da ex­po­sição a esta subs­tância no Brasil?

Fer­nanda Gi­an­nasi: A ABREA faz 25 anos e neste ano fa­remos o evento Osasco+20, em re­fe­rência a uma reu­nião in­ter­na­ci­onal re­a­li­zada em 2000 que deu início à in­ter­na­ci­o­na­li­zação do mo­vi­mento pelo fim do uso do ami­anto. Sou a fun­da­dora da or­ga­ni­zação, e fun­ci­o­namos em ór­gãos pú­blicos, uni­ver­si­dades, sempre em busca de ali­ados para esta ba­talha. No Rio nos reu­nimos na Fi­o­cruz, em São Paulo usamos sedes de sin­di­catos que nos apoiam, na Bahia temos par­ceria com o Mi­nis­tério Pú­blico...

Tudo isso porque muitas vezes as do­enças de­moram pra ser di­ag­nos­ti­cadas, muita gente morre até sem di­ag­nós­tico. São do­enças que pre­cisam de certa es­pe­ci­a­li­zação e in­fe­liz­mente nossas uni­ver­si­dades não formam pro­fis­si­o­nais vol­tados à área, pois são raras as ca­deiras de me­di­cina do tra­balho, que tratem das do­enças pro­vo­cadas pelo tra­balho; eram ne­ces­sá­rios exames es­pe­cí­ficos que antes não eram dis­po­ni­bi­li­zados pelo SUS...

A as­so­ci­ação nasceu na ne­ces­si­dade de as ví­timas lu­tarem por seus di­reitos e, prin­ci­pal­mente, co­nhe­cerem seu es­tado de saúde. São sete es­tados com dez as­so­ci­a­ções (São Paulo tem grupos em três ci­dades di­fe­rentes), que se reúnem, dis­cutem, buscam as­ses­soria ju­rí­dica...

Não é uma guerra contra em­presas, e sim contra o ami­anto. Por isso somos amicus cu­riae das as­so­ci­a­ções, para que as leis es­ta­duais, além da fe­deral, vi­go­rassem. Como isso foi pa­ci­fi­cado pela de­cisão do Su­premo de 2017, nossa luta se voltou à re­pa­ração da­queles que pre­cisam de tra­ta­mento mé­dico ade­quado, a fim de mi­ni­mizar seu so­fri­mento. E também lu­tamos pela re­vi­ta­li­zação de áreas de ex­plo­ração do mi­neral.

Nossa luta é de per­ma­nente de­fesa dos in­te­resses da so­ci­e­dade, en­ga­nada sobre os riscos do ami­anto por muito tempo. Quando estas em­presas se ins­ta­laram no Brasil já sa­biam dos es­tudos que mos­travam os danos. E mesmo assim men­tiram para as pes­soas. O que era o tal "mi­neral má­gico", pois podia ser usado em inú­meras apli­ca­ções, passou a ser co­nhe­cido como a "fibra as­sas­sina".

O Su­premo deu duas grandes con­tri­bui­ções para a luta contra o ami­anto: a de­cisão de 2017 foi a pri­meira fa­vo­rável ao ba­ni­mento do ami­anto em corte su­prema. Em se­gundo lugar, a proi­bição se deu com a ati­vi­dade em an­da­mento. Em países como Itália, Ca­nadá e França só se baniu após o fim das ati­vi­dades in­dus­triais.

Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

COMUNICADO À IMPRENSA - Escândalo do amianto!

COMUNICADO À IMPRENSA                                                     14 de Fevereiro de 2020.

Escândalo do amianto!

Em 11 de fevereiro de 2020, a antiga gigante do amianto do Brasil, a Eternit S.A., anunciou que recomeçaria o processamento de fibras de amianto já lavrado para beneficiar e exportar 24.000 toneladas do minério. Esta ação foi condenada em 12 de fevereiro de 2020 pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que instou o Supremo Tribunal Federal (STF) a considerar inconstitucional o status da lei estadual de Goiás de 2019, que permitiu - em contravenção direta a uma decisão do STF de 2017 de proibição da produção, venda e uso de materiais de amianto – a extração do amianto crisotila para exportação.1

O STF adiou a decisão sobre a inconstitucionalidade da lei de Goiás, que deveria ter sido proferida em 7 de fevereiro de 2020. Dados os planos da Eternit, o esclarecimento desta “séria incerteza legal”, que agora existe, deveria ser uma questão de alta prioridade, segundo a ANPT.

Comentando sobre esse assunto, o Presidente Eliezer João de Souza, da Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (ABREA), afirmou:

“No ano passado, a ABREA teve o privilégio de hospedar membros da Missão Asiática de Proibição do Amianto no Brasil em reuniões que ocorreram em Osasco, São Paulo e Brasília. Os membros da missão trouxeram testemunho pessoal, evidências científicas e imagens irrefutáveis, revelando as consequências mortais do uso do amianto na Índia e na Indonésia, anteriormente os dois maiores mercados para as exportações brasileiras do amianto.2 É abominável que a Eternit tente evitar a proibição aprovada pela Suprema Corte e busque infligir mais fibras tóxicas a trabalhadores e comunidades inocentes da Ásia. ”

Concordando com o presidente da ABREA, Sugio Furuya, líder da missão de 2019 no Brasil e coordenador da Rede Asiática de Proibição do Amianto (ABAN), disse:

“Embora as indenizações para as vítimas brasileiras de amianto tenham sido reduzidas - devido às maquinações corporativas da Eternit, que limitaram os pagamentos de compensação, via pedido de recuperação judicial, embora investimentos em novos produtos continuem a todo vapor e com enorme divulgação na mídia - a empresa está disposta a criar ainda mais vítimas nos países asiáticos, exportando o maléfico amianto. É inexplicável que a lei estadual de Goiás possa suplantar uma decisão do mais alto tribunal constitucional brasileiro. Aguardamos um posicionamento imediato do STF. Enquanto isso, esperamos que o bom senso prevaleça e que todas as exportações sejam imediatamente suspensas.”

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1 Advogados condenam Eternit por voltar a processar amianto: “Gravíssimo; acinte às decisões do STF”. E agora, ministro Alexandre de Moraes?  13 de fevereiro de 2020. https://www.viomundo.com.br/?s=amianto+stf

2 Missão Asiática Antiamianto no Brasil 2019. http://ibasecretariat.org/asian-mission-to-brazil-apr-2019-link-page.php

Notas para editores:

 

  1. Para detalhes adicionais, envie e-mail para Fernanda Giannasi (ABREA) em Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou Sugio Furuya (ABAN) em Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

  1. Informações sobre os grupos que emitiram este comunicado de imprensa podem ser acessadas em:

 

 

 

Infelizmente, o site da ANROEV que abrigava as informações da Rede Asiática de Banimento do Amianto (ABAN) não está disponível no momento.

 

Empresa anuncia extração de amianto, e ANPT pede providências ao STF

Por Mariana Oliveira e Rafael Oliveira, G1 DF e G1

Extração de amianto em Minaçu, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Extração de amianto em Minaçu, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

 

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) pediu nesta quarta-feira (12) que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue com urgência a validade de uma lei de Goiás que permitiu a extração do amianto crisotila para exportação.

O pedido ocorreu depois que a companhia Eternit, uma das principais fabricantes de telhas no Brasil, anunciou ao mercado financeiro o processamento "temporário" de amianto já extraído para fins exclusivos de exportação com base na lei estadual.

"O beneficiamento do minério já extraído se dará em caráter temporário, não significa a retomada da atividade de mineração e proporcionará a exportação de cerca de 24 mil toneladas de fibra de amianto", afirmou o "fato relevante", nome dado aos comunicados oficiais.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Extrativas de Goiás, Adelman Araújo Filho, comemorou a decisão da companhia de retomar o beneficiamento de amianto na indústria de Minaçú, no Norte de Goiás. O sindicalista diz, no entanto, que recebeu a notícia com cautela, pois é provisória.

Em relação ao perigo que o produto pode trazer à saúde dos trabalhadores, Adelman Filho diz não enxergar ameaça superior ou diferente que o processamento de outros minérios podem causar.

"Trabalho há 30 anos com amianto e não vejo perigo. Vejo guerra econômica. Trabalhávamos da mesma forma que se trabalha com ouro e cobre, por exemplo, usando os equipamentos de segurança exigidos e as máquinas também são adequadas para fazer o trabalho. De 12 mil trabalhadores do setor no Brasil todo, não soube de nenhum que morreu de algo relacionado ao amianto", declarou o sindicalista.

 

Nesta quarta-feira (12), o presidente do sindicato disse que buscava informações com a Sama, mineradora do grupo Eternit, sobre o regime de contratação, o prazo de trabalho e a quantidade de funcionários que a mineradora deve convocar.

Por meio de nota, a Sama informou que "para essa operação pontual, a empresa irá contratar um pequeno número de trabalhadores em caráter temporário. As atividades de mineração da Sama e de extração do amianto crisotila continuam suspensas, aguardando manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema".

STF proíbe exploração

A lei, sancionada em julho de 2019, foi questionada dias depois da sanção no STF. O argumento é que, em 2017, o Supremo proibiu a produção, a venda e o uso de materiais com amianto por entender que o material representa riscos à saúde.

A ação contra a lei estadual, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, chegou a ter julgamento iniciado no plenário virtual do STF, mas foi retirada a pedido do governador Ronaldo Caiado para que seja julgada presencialmente. Ainda não há data definida.

Para a ANPT, o anúncio da Eternit causou "uma substancial modificação no estado de coisas, gerando situação de grave insegurança jurídica e desrespeito aberto à decisão plenária do Supremo Tribunal Federal".

"Ante os relevantes fatos novos acima narrados, consistentes em postura afrontosa e desrespeitosa às decisões do Plenário do Supremo Tribunal Federal, acarretando risco de dano imediato grave e irreparável à saúde e à vida dos expostos ao amianto, cujo processamento se pretende restabelecer, o ora peticionante roga pela urgente apreciação monocrática do pedido cautelar."

Parecer da PGR

No fim do ano passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo parecer contrário à lei estadual. Segundo o PGR, o amianto já foi banido em mais de 60 países e o STF já decidiu proibir, em razão do risco à saúde.

 

“Os argumentos da Corte, aliás, examinados à exaustão, já conhecidos, são robustos e irretocáveis, prestando-se à perfeição para a impugnada lei goiana”, diz Aras. Segundo o PGR, para a extração desse “letal mineral, ainda que ‘exclusivamente para exportação do minério’, são necessariamente empregados trabalhadores, sem olvidar a saúde dos consumidores”, diz no documento.

Veja outras notícias da região no G1 Goiás.

Advogados condenam Eternit por voltar a processar amianto no STF

por Conceição Lemes

 

Em novembro de 2017, em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu no Brasil a exploração, produção, comercialização, transporte do mineral cancerígeno e de produtos que o contenham.

Porém, nessa segunda-feira (10/02), a Eternit anunciou que retomará o processamento da fibra, apesar da proibição do STF.

A operação será feita nas instalações da Sama S/A, em Minaçu, norte de Goiás. Integrante do grupo Eternit, é a única empresa produtora do amianto no País.

No comunicado aos acionistas e investidores, a Eternit informa:

“Está amparada na vigência da Lei nº 20.514/, de 16/07/2019, do Estado de Goiás, regulamentada pelo Decreto nº 9.518, de 24/09/2019, que autoriza, para fins exclusivos de exportação, a extração e beneficiamento de amianto  crisotila.

O beneficiamento do minério já extraído se dará em caráter temporário, não significando a retomada da atividade da mineração e possibilitará a exportação de cerca de 24 mil toneladas de fibra de amianto”.

“Este fato novo é gravíssimo”, denuncia o advogado Mauro Menezes, que representa a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea)

“É um acinte às decisões do STF. Vamos insistir no pedido de liminar ao relator”, complementa o também advogado da ANPT e da Abrea, Gustavo Ramos.

“A pendência do julgamento é de recursos deles [Eternit], já que ADI 6200 tem por objeto o drible que eles pretenderam fazer às decisões já tomadas’, acrescenta.

Traduzindo.

A referida lei de Goiás, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), é inconstitucional.

Caiado não tem poderes para contrariar decisão do Supremo. E, muito menos, de impingir uma lei de Goiás aos demais estados da Federação.

Por isso, em 19 de julho de 2019, a ANPT ajuizou no STF uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6.200) contra a lei nº. 20.514/2019.

Na ação, a ANPT afirma que a lei goiana afronta os direitos fundamentais à saúde, à proteção contra os riscos laborais e ao meio ambiente adequado, previstos na Constituição da República.

A ADI 6.200 foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes, que ficou como o relator.

Em dezembro de 2019, já estava pronta para ser votada virtualmente pelo Supremo.

Julgamento tinha até data marcada: 7 de fevereiro, mas saiu de pauta devido a petições atravessadas pela Eternit.

Em uma delas, pediu que a votação fosse presencial.

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Na prática, uma forma de ir ganhando tempo, para desovar o estoque lavrado, pois a mineração de terras raras está entrando em Minaçu e ocupa parte das instalações da Sama.

“Vergonha!, reage a engenheira Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Trabalho aposentada e ex-gerente do programa estadual do amianto do extinto Ministério do Trabalho e Emprego.

“Essa nova investida da Sama do grupo Eternit é uma violação ao estado democrático de direito e um desrespeito às instituições”, frisa.

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Não é a primeira vez que a Eternit busca exportar amianto à revelia do STF.

Em dezembro de 2019, caminhões carregados com sacos da fibra cancerígena, assassina, foram flagrados, estão saindo da Sama, em Minaçu, Norte de Goiás, rumo ao porto de Belém (PA), para exportação.

Só no dia 9 de dezembro de 2019, foram oito caminhões da Rápido 900, cada um com cerca de 26 toneladas.

Na época, Fernanda Giannasi atentou em reportagem do Viomundo:

“Para chegar a Belém, os caminhões terão de passar por estradas federais. Por isso, estamos alertando a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as autoridades portuárias do Norte do País. À PFR, estamos pedindo para reter a carga tóxica em suas barreiras, fazendo-a retornar à sua origem.

Às autoridades portuárias do Norte do País, advertindo sobre a ilicitude das tentativas da Sama e das transportadoras de burlarem a proibição do amianto no Brasil”.

O alerta de Fernanda Giannasi à Polícia Rodoviária Federal e autoridades portuárias continua valendo.

Se dentro de Goiás, os caminhões prestadores de serviços da Sama podem circular livre e impunemente com amianto, o mesmo não se aplica aos demais estados.

Em tempo 1: Nessa quarta-feira (12/02), os advogados Mauro Menezes e Gustavo Ramos, representando a ANPT, ajuizaram no STF um pedido de liminar, dirigido ao ministro Alexandre de Moraes:

(…)

ante os relevantes fatos novos acima narrados, consistentes em postura afrontosa e desrespeitosa às decisões do Plenário do Supremo Tribunal Federal, acarretando risco de dano imediato grave e irreparável à saúde e à vida dos expostos ao amianto, cujo processamento se pretende restabelecer, o ora peticionante roga pela urgente apreciação monocrática do pedido cautelar formulado no bojo da presente ação, nos termos da inicial, com a consequente suspensão da eficácia da Lei nº 20.514, de 16 de julho de 2019, do Estado de Goiás, até o julgamento final da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Em tempo 2: Em parecer de outubro de 2019, o Procurador-Geral da República, Antônio Augusto Aras, já tinha recomendado ao ministro Alexandre de Moraes, considerou ilegal a lei de Goiás.

Pelo exposto, o Procurador-Geral da República opina pelo conhecimento da ação; e, no mérito, pela concessão da medida cautelar pleiteada, de suspensão imediata da eficácia Lei 20.514, de 16 de julho de 2019, do Estado de Goiás, bem como pela procedência do pedido, com a declaração da inconstitucionalidade material integral do diploma legislativo, com típicos efeitos ex tunc.

E, agora, o que fará o ministro Alexandre de Moraes? A batata quente está com V. Excia.

Pedido de liminar ao STF by Conceição Lemes on Scribd

Parecer do PGR sobre a lei de Goiás e o amianto by Conceição Lemes on Scribd

 

Fonte: VIOMUNDO