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Leila Posenato Garcia e Valéria Soares Ramos Pinto1

1 - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Escritório Avançado em Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

*Texto originalmente publicado em espanhol no blog da revista Gaceta Sanitária, disponível em: https://www.campusgacetaeasp.es/bloginvitado/2022/10/04/prohibicion-del-asbesto-evidencia-actual-y-situacion-en-brasil/

Embora os danos à saúde causados pelo asbesto sejam conhecidos há mais de um século e que, desde a década de 1970 a Organização Mundial da Saúde (OMS) o reconheça como carcinógeno, a maioria dos países no mundo ainda não proibiu seu uso.

Ramada Rodilla et al (2021),1 em revisão da literatura publicada na revista Gaceta Sanitaria, pesquisaram as evidências científicas disponíveis sobre os níveis de exposição ao amianto e sua relação com os efeitos à saúde. Concluíram que, tanto o tipo de fibra, como a intensidade da exposição (concentração de fibras no ar) influenciam o risco de ocorrência de mesotelioma ou câncer de pulmão.

Ainda, Accinelli e López, 2 em editorial publicado em Gaceta Sanitaria, apresentam resultados de diversos estudos que comprovam o efeito da legislação antiasbesto na redução da mortalidade por mesotelioma, não obstante tais resultados não sejam observados imediatamente após a vigência da legislação restritiva, dado o longo período de latência entre a exposição e o aparecimento dos sinais e sintomas do mesotelioma (20-40 anos).

Ainda, os autores chamam a atenção para o fato de que que os países que baniram o amianto são aqueles com mais alto índice de desenvolvimento humano. Na América Latina, citam que “Argentina, Chile, Uruguay y Honduras son las únicas (naciones ...) que han hecho esta prohibición.”

O Brasil é o país mais extenso da América Latina e com maior população. Neste país, a proibição do amianto se deu não por meio da aprovação de uma lei, mas por meio de uma decisão judicial. Em 2017, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Federal 9.055/1995, que permitia a extração, industrialização, comercialização e utilização do amianto do tipo crisotila. Naquele momento, o banimento do amianto na indústria brasileira havia sido definitivo. 3

Contudo, após manobras judiciais e legislativas, em julho de 2019, foi autorizada a retomada da extração do amianto crisotila em Minaçu, estado de Goiás. A Lei estadual 20.514, 4 sancionada pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, autorizou a extração do amianto crisotila. Como a proibição do uso e fabricação de materiais contendo amianto no Brasil continua vigente, o material extraído da mina em Goiás é totalmente destinado à exportação para nações que permitam as aplicações industriais do produto, como Estados Unidos, Alemanha, Índia, Indonésia, Malásia e outros países asiáticos.

Na contramão da decisão de Goiás, outros estados brasileiros aprovaram leis mais restritivas. Por exemplo, no estado de Santa Catarina, foi aprovada a Lei Nº 17.076, em janeiro de 2017, 5 que proibiu o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto, em todo o território estadual. Na capital deste estado, Florianópolis, foi aprovada Lei pioneira no Brasil (Lei N. 10.607/2019)6, que determina a proibição do “uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros minerais que tenham fibras de amianto na sua composição” além tornar obrigatória a remoção e substituição dos materiais que contenham amianto dos prédios da administração pública. Tal Lei também condicionou a aprovação de obras de construção e reforma à apresentação de uma comprovação negativa da existência de quaisquer tipos de amianto.

Nesse contexto, pesquisadores da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) passaram a desenvolver projetos e iniciativas, com os objetivos fornecer subsídios para a implementação da Lei Municipal de Florianópolis e ampliar a difusão de conhecimentos sobre os riscos da exposição ao amianto. Destaca-se a publicação do Guia de Boas Práticas em Desamiantagem. 7

Outro fato atual relacionado ao amianto no Brasil é a situação do porta-aviões São Paulo (ex-Foch), que foi vendido pela Marinha Brasileira para um estaleiro na Turquia, onde seria desmontado, mas teve sua entrada barrada naquele País. O órgão ambiental do governo brasileiro, que primeiro autorizou a saída da embarcação do Brasil, determinou o retorno do navio, embora o País tenha ratificado a Convenção de Basileia sobre controle de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito, que considera os resíduos de amianto como perigosos. 8 O retorno do navio ao Brasil para a remoção do amianto já suscita o debate sobre a segurança na remoção e no descarte dos resíduos de amianto, com vistas a preservar a saúde dos trabalhadores e das comunidades. A remoção do passivo envolve muitos riscos, é um debate na ordem do dia no contexto internacional entre os países que já baniram o amianto, trata-se de um processo que levará décadas, mesmo países mais avançados, como a Itália, após 30 anos do banimento removeu apenas ¼ de material instalado.9

Navio na água

Descrição gerada automaticamente

Foto: Rob Schleiffert/Wikimedia

Embora seja fundamental promover a conscientização da população para os riscos relacionados ao amianto e proteger os trabalhadores expostos na remoção dos materiais contendo amianto, no Brasil, atualmente, a prioridade deve ser eliminar a exposição dos trabalhadores envolvidos nas atividades de extração e processamento do amianto para o transporte em Goiás, uma vez que estes são os que apresentam o maior risco de contaminação e adoecimento pelo amianto no País. Existem diversos relatos da ocorrência de doenças relacionadas ao amianto e óbitos entre os trabalhadores da mina de amianto em Minaçu, apesar de esforços da empresa responsável em ocultar tais ocorrências. Estes esforços foram denunciados em uma reportagem do The Intercept Brasil, intitulada “Doutores da Morte”.10 Também existe movimento da sociedade civil envolvendo a Rede Asiática de Proibição do Amianto (ABAN), a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), entre outras entidades, exigindo o fim da extração do amianto no Brasil e de sua exportação para os países asiáticos.11 Assim como acontece com o Canadá, cujo banimento ocorreu em 2018, mas a mineração e exportação foram mantidas12. Tal situação é grave e causa um paradoxo de duplo padrão de proteção entre trabalhadores e população. Assim, é urgente o fechamento da mina de amianto em Minaçu-GO, em alinhamento com a conclusão de Ramada Rodilla et al (2011), que afirmam: “Eliminar toda a exposição ao asbesto ainda é a melhor medida para prevenir seus efeitos negativos à saúde” (tradução das autoras).

Referências

  1. Ramada Rodilla JM, Calvo Cerrada B, Serra Pujadas C, Delclos GL, Benavides FG. Fiber burden and asbestos-related diseases: an umbrella review. Gac Sanit. 2022 Mar-Apr;36(2):173-183. doi: 10.1016/j.gaceta.2021.04.001.
  2. Accinelli, Roberto Alfonso, & López, Lidia Marianella. (2017). El asbesto, una epidemia todavía por controlar. Gaceta Sanitaria, 31(5), 365-367. Epub 30 de noviembre de 2020.https://dx.doi.org/10.1016/j.gaceta.2017.02.011
  3. Blog Gaceta Sanitaria. Éxito contra el asbesto en Brasil. Por Leila Posenato Garcia, marzo 2018. <https://bloggaceta.elsevier.es/blog-del-comite-editorial/exito-contra-el-asbesto-en-brasil/>
  4. GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS Secretaria de Estado da Casa Civil LEI Nº 20.514, DE 16 DE JULHO DE 2019. - Vide Decreto nº 9.518, de 24-09-2019 (Regulamento). Autoriza, para fins exclusivos de exportação, a extração e o beneficiamento do amianto da variedade crisotila no Estado de Goiás. < https://legisla.casacivil.go.gov.br/api/v2/pesquisa/legislacoes/100717/pdf>
  5. GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Lei Nº 17.076 DE 12/01/2017. Dispõe sobre a proibição do uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto ou outros materiais que tenham fibras de amianto em sua composição Publicado no DOE - SC em 13 jan 2017.
  6. PREFEITURA DO MUNICIPIO DE FLORIANÓPOLIS (PMF). Lei N. 10.607, de 11 de setembro de 2019. Diário Oficial Eletrônico. Florianópolis/SC, segunda-feira, 16 de setembro de 2019. P.11-12. <www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/pdf/16_09_2019_18.57.15.db9a45e200dc3361be912776c6370464.pdf>
  7. Moreira, A. C. S, et al. Guia de Boas Práticas de Desamiantagem. Fundacentro, São Paulo, 2022. http://arquivosbiblioteca.fundacentro.gov.br/exlibris/aleph/a23_1/apache_media/CLT7E1F3EQ8LMA2J43TH6AM15QUSSH.pdf
  8. Folha de São Paulo. Turquia barra porta-aviões brasileiro após denúncias de exportação de resíduos tóxicos. Por Nicola Pamplona, 26 de agosto de 2022. <https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/08/turquia-barra-porta-avioes-brasileiro-apos-denuncias-de-exportacao-de-residuos-toxicos.shtml>
  1. Angelini A, Silvestri S. Asbestos Removal Acceleration for New Jobs and Fossil Fuel Use Reduction for Public Health and Climate Readiness: A Contribution to the Revival of the Italian Economy Post-COVID-19. New Solut. 2022 Feb;31(4):434-440. doi: 10.1177/10482911211052694. Epub 2021 Nov 2. PMID: 34726108.
  1. The Intercept Brasil. Doutores da Morte. Por Nayara Felizardo, 6 de Janeiro de 2020. https://theintercept.com/2020/01/06/sama-eternit-medicos-pesquisa-negar-mortes-amianto/
  2. Comunicado à imprensa: Vocês estão nos matando! https://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2019/01/amianto_press_release_portugues.pdf
  1. GOVERNMENT OF CANADA – Prohibition of Asbestos and Products Containing Asbestos Regulations: frequently asked questions https://www.canada.ca/en/environment-climate-change/services/canadian-environmental-protection-act-registry/prohibition-asbestos-products-regulations-questions.html