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Porta-aviões São Paulo retorna ao Brasil mas não recebe autorização para atracar em Pernambuco por causa de risco ambiental.

Ministério Público do Trabalho exigiu que Marinha apresente documentos sobre presença de amianto a bordo.

Dois meses após deixar o Rio rumo à Turquia, o porta-aviões São Paulo está de volta ao Brasil, mas ainda sem um desfecho definido. Sem permissão do governo turco paraDois meses após deixar o Rio rumo à Turquia, o porta-aviões São Paulo está de volta ao Brasil, mas ainda sem um desfecho definido. Sem permissão do governo turco paraentrar no país, por causa da alta quantidade de amianto no seu interior, o navio precisou refazer toda a viagem de volta. Agora, porém, foi a vez das autoridades brasileiras negarem sua presença.

Os compradores do porta-aviões, que está parado na costa pernambucana, pediram autorização para atracar no Porto de Suape. Mas a Agência de Meio Ambiente de Pernambuco não permitiu, devido ao risco ambiental. Nesse imbróglio, há o temor de que a embarcação seja abandonada em alto-mar.

No dia 4 de agosto, o porta-aviões, comprado pela empresa turca Sok por R$ 10,6 milhões, deixou a Baía de Guanabara rumo à Turquia, onde seria desmanchado e vendido como sucata, o que poderia render cerca de R$100 milhões. Horas após o início da viagem, uma liminar da Justiça Federal ordenou o retorno do navio, mas a Marinha disse que ele já estava fora das águas brasileiras no momento da decisão. No dia 26 de agosto, o governo turco cancelou a autorização para importação do porta-aviões, por causa da falta de informações precisas sobre a quantidade de amianto, uma substância cancerígena e banida de grande parte do planeta, a bordo, e ele precisou retornar ao Brasil.

Um relatório feito no ano passado apontou que o porta-aviões possui 9,6 toneladas de amianto. O mesmo relatório admitiu que só foi possível vistoriar 12% dos compartimentos, e há suspeita de que exista mais amianto do que o declarado. Por isso, a Agência de Meio Ambiente de Pernambuco recomendou que a embarcação, que é transportada por um rebocador holandês, não atracasse em Suape, e a Autoridade Portuária negou a autorização. Além de um porta-aviões demandar muito espaço de um porto, Suape fica a quinze quilômetros de Porto de Galinhas, um paraíso turístico de Pernambuco.

O porta-aviões, que já está na entrada de Suape, precisa achar algum porto para que seja feita a vistoria de integridade do casco, uma medida obrigatória que atesta que não há risco de naufrágio. Só com isso é possível parar em território brasileiro. Na semana passada, quando já estava próximo do Brasil, a Marinha determinou que o porta-aviões fizesse essa vistoria em Suape, pois seria o porto mais perto.

A Agência afirmou que recebeu nesta quarta (5) a solicitação de posicionamento a respeito da atracação e que se posicionou contra "haja vista o risco ambiental pela possibilidade de contaminação por amianto e outras substâncias perigosas. A Agência considerou ainda que a embarcação em questão já teve sua licença de exportação cancelada pelo Ibama e inclusive já foi impedida de navegar e atracar em outras regiões".

Maior que o país já teve, tem se tornado uma das preocupações dos defensores da preservação do patrimônio marítimo brasileiro nos últimos tempos.

Temor de abandono em alto-mar

Fontes que acompanham o caso dizem que a vistoria pode acabar sendo feita em alto-mar. Outra possibilidade seria pedir autorização para atracar no estaleiro de Mauá, em Niterói (RJ). Procurada, a Marinha não se manifestou. A Ocean Prime, agência marítima brasileira contratada pela Sok para tratar dos trâmites da exportação, também não respondeu à reportagem.

— Há o risco de um fim trágico. Temo o abandono do casco — afirmou Fernanda Giannasi, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). — Se o impasse não se resolver, o rebocador pode até abandonar em alto-mar. Se afundar, vira um monstro ambiental dentro do mar.

Com a negativa da importação por parte da Turquia, que pediu um novo inventário sobre a presença de substâncias tóxicas, a Abrea acionou o Ministério Público do Trabalho (MPT) para que sejam respeitadas medidas de segurança a trabalhadores que venham a realizar a retirada do amianto do porta-aviões no Brasil. Por isso, um inquérito preliminar foi instaurado no MPT e, na última sexta, foi realizada uma audiência com a Marinha, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ibama, a Abrea e a Cormack, primeira agência marítima contratada pela Sok, mas que estão em litígio após rompimento do contrato. A Sok e a Ocean Prime, atual agência marítima, não compareceram.

Na audiência, a Marinha afirmou que o porta-aviões já teria sido ficado sem amianto na época de sua compra, em 2000, na França, onde a embarcação foi construída, na década de 1960. Mas, para isso, um navio precisa ser desmontado, e o próprioNa audiência, a Marinha afirmou que o porta-aviões já teria sido ficado sem amianto na época de sua compra, em 2000, na França, onde a embarcação foi construída, na década de 1960. Mas, para isso, um navio precisa ser desmontado, e o próprioinventário apontou presença de amianto no ano passado. A Marinha também disse que todos os compartimentos teriam sido inspecionados, o que não corresponde às informações do relatório, e que uma equipe turca fez uma inspeção de radioatividade. A suspeita sobre radioatividade do São Paulo surgiu porque foram encontradas fontes radioativas no seu navio-irmão, o Clemenceau II. Nos anos 1960, ambos teriam passado por testes nucleares.

— Eu entrei em contato com o Ministério do Meio Ambiente da Turquia e eles negaram que fizeram inspeções nucleares no São Paulo — afirmou Giannasi.

Procuradores do MPT pediram que a Marinha enviasse as documentações e laudos que comprovem todas as informações prestadas. A apresentação ainda está no prazo.

— Para realizar trabalho dentro do navio, são necessários grandes equipamentos e respeitar as medidas de segurança. É preciso fazer a pressão negativa para que o ar de dentro não saia do navio e, assim, evitar a poluição externa. Além disso, funcionários precisam usar macacões adequados e realizar exames antes e depois do trabalho. Há todo um rigor para que a exposição seja limitada ao máximo — explicou Giannasi.

Situação jurídica

A liminar que pedia o retorno do porta-aviões foi suspensa em agosto, após manifestação da União dizendo que o navio estava em águas internacionais. No momento, então, não há nenhuma decisão judicial em vigor que obrigue algum destino ao São Paulo. O Ibama, que autorizou a exportação do casco do navio, suspendeu sua autorização após a negativa dos turcos.

Na audiência, a Marinha afirmou que o porta-aviões já teria sido ficado sem amianto na época de sua compra, em 2000, na França, onde a embarcação foi construída, na década de 1960. Mas, para isso, um navio precisa ser desmontado, e o próprio inventário apontou presença de amianto no ano passado. A Marinha também disse que todos os compartimentos teriam sido inspecionados, o que não corresponde às informações do relatório, e que uma equipe turca fez uma inspeção de radioatividade. A suspeita sobre radioatividade do São Paulo surgiu porque foram encontradas fontes radioativas no seu navio-irmão, o Clemenceau II. Nos anos 160, ambos teriam passado por testes nucleares.

A Cormack, que está em litígio com a SOK, pretende pedir o arresto do porta-aviões, assim que ele conseguir atracar no Brasil.

-- Não é todo porto brasileiro que vai aceitar o porta-aviões. Porque ele pode colocar em risco a saúde de quem vai trabalhar a bordo. Isso demanda acompanhamento das autoridades -- disse Alex Christo, advogado da Cormack.

Outra parte que acompanha o imbróglio de perto é o Instituto São Paulo/Fochs, que desenvolveu um projeto para transformação do porta-aviões em um museu marítimo. Foi o instituto que entrou com ação popular na justiça federal pedindo a anulação doOutra parte que acompanha o imbróglio de perto é o Instituto São Paulo/Fochs, que desenvolveu um projeto para transformação do porta-aviões em um museu marítimo. Foi o instituto que entrou com ação popular na justiça federal pedindo a anulação doedital do leilão do navio, em 2021. Dessa ação veio a liminar que tentou impedir a saída da embarcação do Brasil.

-- Nosso temor é que, da mesma forma que foi feita inspeção técnica do navio após a venda, a empresa turca contrate empresa parcial que venha a beneficiar eles nas novas autorizações. Da nossa parte, estamos movendo ações justamente para que sejam cumpridas determinações do navio voltar ao Rio -- disse Emerson Miura, presidente do instituto.

Entenda o cronograma dos acontecimentos

• 30 de maio: É concedida autorização para "exportação com condições" por parte do governo da Turquia

• 7 junho: O Ibama autoriza a exportação do porta-aviões

• 4 de agosto: O porta-aviões inicia viagem rumo à Turquia

• 4 de agosto: Horas após o início da viagem, a justiça federal profere liminar para que o navio retorne, Segundo a Ocean prime, o navio já estava em águas internacionais quando a decisão foi informada

• 9 agosto: Autoridades turcas pedem informações sobre decisão judicial que impedia a exportação, e um novo inventário de materiais perigosos a bordo.

• 18 de agosto: A justiça federal, após recurso da União e da Marinha, revogou a decisão liminar que pedia o retorno do navio. O Ibama, então, responde à Turquia que não havia objeção judicial à exportação

• 26 agosto: A Turquia decide cancelar autorização para importação. Em seguida, o Ibama comunica a Ocean Prime sobre a decisão e suspende a sua autorização de exportação

• 30 agosto: O Ibama reafirma às autoridades turcas que não havia pendência judicial contra a exportação, mas diz que acata a decisão do cancelamento da exportação. O instituto ainda pede para que o governo turco compartilhe se a Convenção de Basileia (organização internacional que trata de exportação de amianto) tomou alguma medida legal sobre o assunto

• 7 de setembro: O rebocador holandês mudou o itinerário da viagem, e iniciou o retorno ao Rio de Janeiro, previsto para 2 de outubro.

• Dia 26 de setembro: Marinha diz para porta-aviões realizar vistoria de integridade em Suape

• Dia 5 de outubro: Porto de Suape nega atracação por risco ambiental

A novela do porta-aviões

A reconstituição da saga do navio, comprado da França pelo Brasil nos anos 2000 e que teria navegado só 206 dias no Brasil, mostra como o porta-aviões se tornou tecnologicamente defasado e com potencial poluente. Vendido como sucata, poderá render em torno de R$ 100,4 milhões, quase dez vezes mais do que ao valor de venda. A Marinha cogitou outro destino para o São Paulo. Em 2019, após desistir de um projeto de modernização que custaria R$1 bilhão, procurou especialistas para traçar alternativas de descarte ou reutilização para o porta-aviões São Paulo, na época recém-desativado.

Especialista em transporte marítimo, logistica e construção naval, o engenheiro Jean Caprace, da Politécnica-UFRJ, sugeriu um modelo matemático para indicar o melhor custo-benefício entre as possibilidades de desmonte. A ideia não foi acatada.

— O que mais me surpreende é o interesse de uma empresa estrangeira. Devem ter feito muitos cálculos, mas é um negócio de alto risco, inclusive o de ter mais amianto a bordo que o declarado. Há compartimentos totalmente inacessíveis, que só serão descobertos quando abrirem — avisa Caprace.

Quando ainda era da França, o porta-aviões esteve em frentes de batalha na África, no Oriente Médio e na Europa. Com 266 metros de comprimento e 32,8 mil toneladas, a embarcação, explica Caprace, exige cálculos muito precisos e complexos para determinação de valores de venda. Pelo contrato firmado com a França, o São Paulo precisaria ser esvaziado para ser revendido. Os gastos para transportar a embarcação, que, desativada, passa a ser oficialmente “casco de navio”, atingem a casa dos milhões de dólares.

- Leia a matéria em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/10/porta-avioes-sao-paulo-retorna-ao-brasil-mas-nao-recebe-autorizacao-para-atracar-em-pernambuco-por-causa-de-risco-ambiental.ghtml