Há 112 mil pessoas registradas em programa federal de apoio aos que foram diretamente afetados pelos ataques; exposição a detritos e a fumaça tóxicos provoca doenças como câncer, refluxo e sinusite crônica
NOVA YORK — Para milhares de pessoas nos Estados Unidos, passados 20 anos, os atentados terroristas do 11 de Setembro de 2001 estão longe de serem encarados como um evento histórico. As consequências dos ataques seguem presentes no dia a dia e, muitas vezes, na saúde. São parentes de vítimas, sobreviventes, moradores da área e, principalmente, quem atuou no resgate e remoção dos escombros.
— Todos nós fomos expostos a muitos carcinógenos e contaminantes no ar. E, desde o início, as pessoas tiveram tosse, dor de garganta e nariz escorrendo. É a tosse do World Trade Center (WTC). Dois anos depois daquele dia, você ainda tossia um pouco, porque seus pulmões estavam moles, irritados por termos ido ao local muitas vezes — diz o tenente dos bombeiros James McCarthy, que chegou à pilha de escombros naquele mesmo dia.
O Distrito Financeiro de Manhattan, onde ficavam as Torres Gêmeas do WTC, foi palco de 93% das quase 3 mil mortes dos atentados da rede terrorista al-Qaeda, que também fizeram vítimas no Pentágono, perto da capital Washington, e no estado da Pensilvânia. Além do trauma de testemunhar os atos e as mortes, quem estava em Nova York ficou exposto à nuvem tóxica decorrente do desabamento das torres, atingidas por aviões comerciais sequestrados pelos terroristas. A poeira e a fumaça carregavam substâncias nocivas, como combustível, cimento, gesso, amianto, fibras de vidro e metais pesados.
Informados pelas autoridades da época que o local era seguro, os que atuaram no rescaldo ficaram expostos. Não à toa, esse grupo compõe 72% dos filiados ao Programa de Saúde do WTC, plano de assistência do governo federal criado em 2011, hoje com 112 mil inscritos. Outros 27% são enquadrados como sobreviventes. Desde então, 1.510 inscritos que tinham diagnóstico de câncer morreram, assim como 1.571 que tinham doenças aerodigestivas, como sinusite crônica, refluxo gastroesofágico e asma. Entre os filiados ainda vivos, atualmente há 47,3 mil diagnósticos de doenças aerodigestivas, 22,2 mil de câncer e 19 mil de doenças mentais.
A lista deve aumentar, já que algumas doenças relacionadas — como o mesotelioma, tipo de câncer pulmonar provocado pela exposição ao amianto — podem levar até 40 anos para se manifestar. E calcula-se que até 500 mil pessoas possam ter sido expostas aos ataques e suas consequências. Por causa disso, em 2019, depois de muita pressão das vítimas, o Congresso dos EUA aprovou a extensão dos auxílios até 2090, inclusive para novas adesões, a um custo de U$ 10,2 bilhões nos próximos 10 anos.
— Uma das marcas registradas do 11 de Setembro é que as doenças decorrentes dos ataques costumam ocorrer juntas. Assim, temos muitas pessoas que têm mais de uma condição de saúde mental, ou mais de uma condição de saúde física, ou uma combinação das condições física e mental. E o declínio na qualidade de vida aumenta com o número de doenças concomitantes que as pessoas têm — explica Mark Farfel, diretor de um outro programa, o Registro de Saúde do World Trade Center, gerido pela prefeitura de Nova York com recursos federais e que monitora (mas não trata) 71 mil pessoas diretamente expotas aos atentados.
O monitoramento da prefeitura, um dos maiores e mais longos já feitos após um desastre, começou logo depois de 2001. O grupo avaliado apresenta incidência acima da média para uma série de problemas, tais como asma, doenças cardíacas, câncer, consumo excessivo de álcool, até perda de emprego e aposentadoria precoce. Mas a condição de saúde mais comum entre os monitorados é o transtorno de estresse pós-traumático, que acometeu, em algum momento, um em cada quatro expostos, mais de quatro vezes a taxa da população em geral.
O tenente McCarthy, que hoje preside o sindicato que representa 7,6 mil oficiais superiores, da ativa e aposentados, considera-se "um dos sortudos'' que não desenvolveu doença grave após atuar no Marco Zero, nome pelo qual ficou conhecido o local do ataque. Mesmo assim, ainda hoje relata danos musculares pelo esforço intenso, dificuldade para respirar, irritação nas vias aéreas e refluxo gástrico.
— É algo que não me atrapalha viver, nada comparado às condições debilitantes que afetam tantos de nossos afiliados. Mas, além disso, há muitas coisas que afetam a alma — confessa.
O oficial de 59 anos perdeu muitos companheiros naquele dia. Os ataques ainda são o evento mais mortal para bombeiros (343 mortes) e policiais (60) na história dos Estados Unidos. Além disso, McCarthy passou 48h seguidas vasculhando os escombros, recolhendo corpos e, muitas vezes, partes de corpos.
O monitoramento dos afetados também revela alguns fatores positivos. Um estudo publicado este ano identificou melhoria psicológica relevante em um grupo de quase 5 mil monitorados que haviam tido alto nível de exposição aos ataques e relataram sintomas graves de estresse pós-traumático nos oito anos seguintes. Foi identificada uma relação direta entre essa melhora e a presença, na vida dos avaliados, de maior suporte emocional e integração social.
Joan Mastropaolo foi uma das que se voltaram para a comunidade para reescrever a própria história. Ela e o marido moram ao lado do WTC desde meados de 1998. Na manhã do ataque, ela usou a estação no subsolo do complexo para pegar o trem em direção ao trabalho em Jersey City. E foi da janela do escritório, do outro lado do Rio Hudson, que viu os aviões se chocarem e os prédios desabarem. O marido estava em casa, teve que fugir correndo e, depois, foi removido em um barco da polícia, enquanto a segunda torre caía. Hoje, ele tem transtorno de estresse pós-traumático e não gosta de falar sobre o ocorrido.
O apartamento do casal teve janelas arrancadas e ficou coberto de detritos das torres. Mesmo assim, em janeiro de 2002, quando o acesso ao bairro ainda era restrito, decidiram se mudar para uma outra unidade no mesmo condomínio.
Em 2006, a associação de vítimas da qual Mastropaolo faz parte criou um pequeno museu dedicado aos atentados, o 9/11 Tribute Museum. Isso foi oito anos antes da inauguração do maior e mais famoso museu, que fica a 300 metros dali, no exato local das Torres Gêmeas.
A voluntária já perdeu três colegas, vítimas de doenças pulmonares relacionadas aos ataques. No museu e em tours guiados no memorial ali perto (já conduziu mais de 800), ela fala aos visitantes sobre a própria experiência, “uma espécie de catarse” que ajudou no processo de cura e uma forma de retribuir toda a ajuda que recebeu, quando precisou morar de favor na casa dos outros, por exemplo.
— Eu aprendi a força do espírito humano, pessoas ajudando pessoas. E senti que, depois que coloquei minha vida em ordem, precisava fazer algo para retribuir e ajudar a comunidade. Algumas crianças me perguntam: como vamos nos livrar do terrorismo? Nenhum de nós pode se livrar do terrorismo sozinho, é uma tarefa muito grande. Mas cada um de nós pode fazer algo especial para tornar o mundo um lugar melhor, não importa quão pequeno ou grande o ato seja.