Conheça a história da AvicafeConheça a história da Avicafe
Uma conversa em primeira pessoa com o presidente Esmeraldo dos SantosTeixeira, o “Nego”.
Numa sexta-feira a autora deste livro entrou em contato com EsmeraldoTeixeira. Conhecido como “Nego”, ele preside a Associação das VítimasContaminadas pelo Amianto e Familiares Expostos (Avicafe). À época daentrevista, Nego veio da Bahia passar uma temporada em São
Paulo, parauma cirurgia complexa no Instituto do Coração (InCor), não disponívelem Bom Jesus da Serra, onde mora.
A ideia era marcar uma entrevista para a segunda-feira mais próxima, mas ele achou melhor adiar um pouco mais. “Assim acho que posso falar do amianto sem me emocionar tanto”. Há poucos dias ele tinha saído do hospital.
Era a primeira entrevista que faria para este livro. Foi ali que percebi quenão seria fácil absorver e contar os casos da devastação dessas pessoas que tiveram suas vidas e de suas famílias arrasadas pelo amianto.
Esmeraldo me recebeu em um apartamento da região central da cidade.Voz fina, fraca, mas ainda assim espelhando desejo de lutar - porele, por outras pessoas. No sofá da sala estava Heitor, seu filho de poucosmeses. Não pude deixar de engolir a seco pensando em até quandoa doença vai permitir que pai e filho fiquem juntos. Também percebique havia ali na sala, tomando bom espaço, pendurado na parede, umalousa com sua agenda de rotinas médicas.
Esmeraldo tem a pele morena, baixa estatura, cabelos bem pretos na alturados ombros. Como se fosse um índio, como lhe chamam, só que um índio do sertão do semiárido baiano. Contou sobre como a história de sua família se entrelaça num abraço de morte com a da indústria de amianto Sama, que chegou a sua cidade Bom Jesus da Serra, Bahia, na década de 30 e ficou até 1967, deixando para trás nuvens de pó mortal branco, amianto, e rastros de sangue.
A partir de 1939 a Sama passou a produzir amianto em escala industrial. Israel Teixeira, pai de Esmeraldo, foi o primeiro da família a trabalhar na empresa. Ficou até 1967, quando a Sama viu que explorar amianto na mina de Cana Brava, em Goiás, era muito mais rentável, abandonando na cidade rejeitos de amianto por todos os lados, uma leva de trabalhadores e da população doentes, suas edificações e estradas vicinais contaminadas por amianto; um passivo até hoje não mensurado e que tem acabado com a vida de muitos.
Garimpo da maldição
A primeira vez que Esmeraldo teve contato com o amianto foi quando recebeu um martelinho de geólogo da Sama. Nem desconfiava que aquele era um brinquedo de garimpar maldição. Ele tinha sete anos. Quebrava a pedra, extraía dela a fibra de amianto e botava numa capanga, como é chamada um tipo de bolsa naquela região, que era pesada ao término do trabalho. Após colhido, para os adultos, o amianto se transformava em algum dinheiro. Para as crianças, como ele, se transformava em biribinhas, daquelas que se estalam em festa junina, ou em doces.
Nem todos que se contaminaram em Bom Jesus da Serra trabalharam diretamente com a extração da fibra. Para chegar a fazenda São Félix do Amianto, até então pertencente à Sama, era necessário pegar uma estrada de 24 quilômetros, que permanece pavimentada até hoje por rejeitos de amianto em quase toda sua extensão. Uma das primeiras lutas da Avicafe foi pela retirada do mineral ao longo do caminho.
Esmeraldo conta que sabe de três casos de pessoas que se contaminaram assim, sem nem trabalhar para a Sama. Ele lembra que somente em passar pela estrada as roupas e pele já ficavam encobertas. “Chegávamos cheios de pó [de amianto], parecendo palhaços”.
Em 1987, duas décadas depois da saída da Sama de Bom Jesus da Serra, Israel, pai de Esmeraldo, começou a sentir extrema e persistente falta de ar. Estava doente e não sabia o que era. Tossiu. Tossiu até morrer.Apenas nos anos 2000 é que Esmeraldo ficou sabendo o que matou seu pai. Em seguida morreu sua mãe, “de causa desconhecida”, e umprimo seu, que trabalhava na extração de amianto na mina de CanaBrava, por asbestose.
“O amianto foi a miséria de nossa família. Somos nove irmãos. Cincosão contaminados e quatro não fizeram exames ainda”, diz Esmeraldo.Esmeraldo conta que os advogados locais não se interessaram em ajuizarnenhuma ação contra a Sama. Foi quando apareceu Dr. Júlio Fortes, vindode Goiás, o único que se apresentou disposto e que já havia ganhado trêsprocessos de contaminados contra a mineradora do amianto.
Para início de conversa, o advogado perguntou a Esmeraldo se mil caçambas de terra cobririam os resíduos de amianto deixados para trás pela Sama, que foi embora para Goiás. “Nem um milhão de caçambas cobririam”, foi a resposta que ouviu, indicando a dimensão do problema.
A ação foi movida e continua até hoje em um fórum local. Para viabilizá-la, Esmeraldo contou com o apoio de Zilton Rocha, à época deputadoestadual, presidente da Comissão de Meio Ambiente, e de seu primo, oprofessor Jânio Rocha. Com a reunião de forças, realizaram audiências públicas que chegaram a contar com quase 800 pessoas, segundo Esmeraldo.
A Avicafe surgiu no ano de 2012. Além de ter viabilizado discussões maisamplas sobre o amianto e seus perigos, com as parcerias firmadas pela associação conseguiu o envolvimento da Secretaria de Saúde de Bom Jesus da Serra, que passou a apoiar os expostos ao amianto para a realização de exames.
Junto da Associação Baiana dos Expostos ao Amianto (Abea), a associaçãocontra o amianto, e a favor de justiça para os contaminados, formamimportante e representativa frente em defesa pelo banimento do amiantoa nível global articulando-se com os outros movimentos sociais locais,nacionais e internacionais
Trecho retirado do livro "Eternidade - A Construção Social do Banimento do Amianto no Brasil", páginas 59 a 51.
O livro em PDF: https://drive.google.com/file/d/1dgHeCg6ktFlpqQ1_4OhPnLPNpm1GnOW8/view