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Pai de Márcia Rodrigues Gamba morreu em 2013, sete meses após receber o diagnóstico de asbestose
Pai de Márcia Rodrigues Gamba morreu em 2013, sete meses após receber o diagnóstico de asbestose | Gina Mardones - Grupo Folha

 

 

A ação civil pública movida pela Abrea, juntamente com o Ministério Público do Trabalho, é contra oito empresas do grupo Infibra. Para um dos advogados da associação, Marcos Cesar Rampazzo Filho, a sentença atendeu às expectativas dos que há tempos buscam a reparação dos danos na Justiça.

 

 

 

 

“Essa decisão mostra que o poder judiciário dá uma importância muito grande à saúde e à vida desses trabalhadores. Dá uma resposta bem significativa a esse tipo de empresa que descumpre deliberadamente a lei trabalhista, viola a saúde e, muitas vezes, a vida desses trabalhadores. Mostra que o poder judiciário não está alheio a tudo isso”, comemora.

 

A Infibra fechou as portas em Londrina em 2003. Centenas de trabalhadores foram expostos ao amianto durante quase 30 anos de funcionamento da empresa. O amianto, também chamado de asbesto, é uma fibra natural extraída de rochas. O resíduo cancerígeno se instala no organismo e permanece alojado. Os primeiros sintomas de doenças relacionadas ao amianto podem aparecer anos após o primeiro contato com a fibra.

 

O amianto é proibido no Brasil desde 2017. Antes disso, o País chegou a ser um dos maiores produtores do mundo. A fibra era utilizada na fabricação de produtos da construção civil como telhas e caixas d’água; da indústria automotiva em peças como lonas, pastilhas de freio e discos de embreagem; entre outros itens. Segundo a Abrea, o uso do amianto é proibido em mais de 70 países.

 

Os representantes das empresas ainda podem recorrer da decisão. Porém, Rampazzo Filho destaca que a Justiça concedeu tutela antecipada para que os ex-funcionários recebam acompanhamento médico imediato.

 

“Existe uma parte da sentença que é a obrigação da empresa fornecer atendimento médico para os trabalhadores e isso passa a valer imediatamente. Em 90 dias, deve ser formado um comitê gestor com um membro da Abrea, outro do Ministério Público e outro das empresas. Esse comitê vai ser responsável por organizar o atendimento e o tratamento médico após eventual diagnóstico de doença dos ex-trabalhadores", afirma.

 

Em agosto de 2017, a FOLHA produziu uma reportagem especial sobre o drama vivido pelas vítimas do amianto e o debate jurídico relacionado à proibição da fibra no Brasil. No Paraná, estima-se que 16 mil trabalhadores tenham sido expostos ao resíduo.

 

A fundadora da Abrea, Fernanda Giannasi, acredita que a sentença representa duas grandes vitórias para o grupo. Além da indenização para familiares de vítimas que morreram em decorrência de doenças causadas pelo amianto, a decisão também contempla indenização e acompanhamento médico para os que foram expostos à fibra, mas ainda não apresentam sintomas de doenças.

 

“A juíza teve uma visão social e se sensibilizou pela condição dos trabalhadores. Já tivemos outras decisões pelo País, mas essa sentença é a mais completa. Acho que abre um precedente valoroso”, ressalta. Os valores das indenizações foram fixados em R$ 10 mil por ano trabalhado (para ex-trabalhadores que não desenvolveram doenças ocupacionais) e R$ 20 mil por ano trabalhado (para os que apresentaram diagnóstico de doenças ligadas à fibra).

 

Giannasi luta contra o amianto há mais de 30 anos. A engenheira atuou como auditora fiscal no Ministério Público do Trabalho e gerenciou o Programa Estadual de Banimento do Amianto, em São Paulo.

 

“Temos mais de 1 milhão de pessoas no Brasil que deveriam ter acompanhamento médico permanente. É uma epidemia silenciosa. Muitos casos nem foram diagnosticados e ficam aí perdidos nas estatísticas. É uma dificuldade muito grande. Há uma invisibilidade dessas doenças. Agora é que elas começam a ser divulgadas. Sentenças como essa são importantes porque você reúne esses empregados que quando adoecem nem se lembram que foi por conta do amianto em empresas que ele trabalhou há 30 ou 40 anos. Não havia interesse em divulgar esse risco”, comenta.

 

Mesmo com a proibição do produto no País, ainda há registros de importações clandestinas do material, segundo Giannasi. Além disso, recursos protocolados na Justiça pretendem reativar uma mineradora em Goiás que teve as atividades suspensas. A justificativa é a manutenção de empregos na região.

 

Exposição pode provocar câncer e outras doenças

 

DOENÇAS 

 

A exposição ao amianto pode causar enfermidades como câncer no pulmão, asbestose (que compromete o tecido pulmonar) e mesotelioma (tipo de câncer raro em tecidos que revestem órgãos como pulmões, estômago e coração).

 

A coordenadora da Abrea em Londrina, Márcia Rodrigues Gamba, vivenciou de perto o drama de quem é diagnosticado com uma das doenças. O pai, Luiz Rodrigues de Souza, apresentou dificuldades para respirar dez anos depois de encerrar os trabalhos na antiga Infibra. Souza morreu em 2013, sete meses após o diagnóstico de asbestose. A filial da associação em Londrina foi criada por ela dois anos depois.

 

Atualmente, cerca de 350 ex-funcionários da Infibra possuem cadastro na Abrea Londrina. Aos poucos, a coordenadora tenta viabilizar a realização de exames de urgência e acompanhamento médico de rotina com o apoio do pneumologista Marcos Ribeiro que atua no ambulatório do Hospital das Clínicas da UEL (Universidade Estadual de Londrina). O profissional é especialista em doenças causadas pelo amianto.

 

“São as dores que eu passei e agora me coloco no lugar dessas famílias. Isso mexe com a estrutura da família toda. São doenças que não têm reversão. Esses trabalhadores tinham perfis semelhantes: homens fortes acostumados ao trabalho rural e sem estudos. Vários colegas do meu pai morreram sem um diagnóstico. O diagnóstico dele foi o primeiro de asbestose em Londrina”, conta.

 

A coordenadora da associação participa de eventos nacionais e internacionais de vítimas dos expostos ao amianto e troca informações com representantes de vários países para dar continuidade à luta contra a fibra cancerígena.

 

A reportagem da FOLHA procurou um dos advogados que representa o grupo Infibra, mas o profissional não retornou às ligações até o fechamento desta edição.

 

SERVIÇO

Abrea Londrina fica na rua Ruy Virmond Carnasciali, 137 (sala 1), no Jardim Leonor. Telefone: (43) 3354-6001. Horário de funcionamento: das 8h às 12h